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Brexit: União Europeia com futuro menor
2017-01-19

Os cidadãos britânicos votaram a favor da saída do projeto europeu num referendo realizado a 23 de junho. David Cameron bateu com a porta do número 10 de Downing Street e lançaram-se ondas de choque que se propagaram um pouco por toda a Europa. Mais do que o abandono de um importante Estado-membro, o segundo mais importante em termos económicos, o resultado do referendo poderá sinalizar uma potencial desintegração do projeto comum europeu. A saída do Reino Unido não acontecerá antes de 2019, mas os efeitos da decisão tomada em junho já se sentem. A libra desvalorizou para níveis não vistos há 31 anos e a confiança dos fleumáticos consumidores britânicos desceu para o valor mais baixo desde 1990. E as implicações do Brexit atingem também Portugal, com o Produto Interno Bruto português a ser penalizado em 0,3 pontos percentuais, entre 2017 e 2019, e o país a perder 300 milhões de euros em exportações.

Uma vez que o Reino Unido é um importante parceiro comercial e investidor, apesar de Portugal não ser dos Estados-membros mais afetados, o efeito da saída britânica do projeto europeu terá, de acordo com a Euler Hermes, um “impacto significativo”. Os sectores mais afetados em Portugal serão o automóvel, os têxteis, o químico e o agroalimentar e as perdas serão de até 200 milhões de euros nas vendas de bens e 100 milhões de euros em serviços. Ao nível do investimento direto estrangeiro, estão estimadas em 100 milhões de euros. O estudo analisa, ainda, o impacto nas insolvências, perspetivando que estas possam aumentar em um ponto percentual até 2019.

Alemanha, França e Espanha são, a par de Portugal, outros Estados-membros onde o Brexit terá também, de acordo com a empresa de seguros de crédito, impacto significativo. Mais penalizadas serão, porém, a Holanda, onde o PIB pode cair 1,5 pontos percentuais, a Irlanda (-0,9 pontos percentuais) e a Bélgica (-0,7 pontos percentuais), Estados-membros que têm relações comerciais muito próximas com o Reino Unido.

Mas os maiores afetados serão, mesmo, os próprios britânicos. Mesmo num cenário de saída suave, com um novo tratado de livre comércio com a União Europeia após 2019, o PIB do Reino Unido cairá 2,8 pontos percentuais em termos reais. 1.500 empresas poderão entrar em insolvência ao longo dos próximos três anos.

Estimativas à parte, certo é que o sentimento de incerteza domina o ambiente económico em terras de Sua Majestade. Caso o Reino Unido consiga ultrapassar o choque inicial e assegurar o funcionamento normal das suas instituições financeiras, conseguirá equilibrar a infraestrutura dos negócios e continuar a atrair investimento. Contudo, são muitos os desafios que se vislumbram e um deles chama-se, inclusive, Alemanha, que deverá perfilar-se, a longo prazo, como o mais forte concorrente do Reino Unido. Existem muitas variáveis interligadas, que dificultam qualquer tipo de certeza quanto aos cenários futuros. Não deverão esperar-se grandes mudanças iniciais no modo como as pessoas viajam, na circulação de bens e na venda de serviços até que, dentro de dois anos, seja acionado o Artigo 50. Não obstante, os professores do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) esperam uma menor facilidade de circulação de mão-de-obra entre Portugal e o Reino Unido e o surgimento de dificuldades ao nível das relações comerciais. “Com a saída do Reino Unido da União Europeia, vamos assistir a uma desvalorização da libra e à queda do Produto Interno Bruto. Ao contrário do que é pretendido, assistiremos provavelmente a uma desintegração da União Europeia, que trará consigo muita instabilidade para os próximos tempos. O caso do Reino Unido poderá fazer com que outros países o sigam, como exemplo, e peçam também a sua desintegração da União Europeia”, explica o professor Muradali Ibrahimo ao Oje.

Ondas de choque

Para a Europa, o resultado do referendo de 23 de junho poderá ter um efeito dominó e marcar o início de um processo de maior fragmentação, uma vez que o ideal de comércio livre do pós-guerra está a ser questionado. Para retalhistas e seus fornecedores, os próximos anos serão, assim, de uma necessária adaptação para os riscos políticos, económicos e financeiros vindouros.

Com a saída do Reino Unido da União Europeia e o reforço dos movimentos regionais independentistas por essa Europa fora (a Dinamarca continua a debater uma opção similar e os movimentos independentistas na Escócia, Catalunha e norte de Itália reforçam-se), não é de descartar um possível futuro de barreiras acrescidas, controlo de fronteiras, quotas de importação e taxas de alfândega. “Com as sanções impostas pela Rússia, a manutenção da instabilidade na Ucrânia e o reforço do controlo das fronteiras no seguimento da crise dos refugiados, podem esperar-se dificuldades ao nível do transporte e logística na Áustria, Itália, Grécia, Hungria e Eslovénia, apenas para nomear alguns países”, detalham Boris Planer e Franziska Schmidt, do Planet Retail.

O reforço das fronteiras terá um impacto direto na capacidade de “sourcing” dos retalhistas internacionais e os constrangimentos na logística poder-se-ão traduzir em maiores tempos de espera, retirando muitas das eficiências de que dependem as redes de retalho. Dado este cenário, os operadores deverão reforçar o foco nas compras. Para as empresas de Fast Moving Consumer Goods europeias existe um risco de perda de substanciais volumes de exportação. Os produtos da Europa continental irão perder competitividade no Reino Unido, uma vez que a desvalorização da libra irá aumentar os preços dos produtos importados. “A médio prazo, poderão existir menos produtos internacionais nas prateleiras dos supermercados britânicos e menos opções de escolha para os consumidores. Para os fornecedores da Europa continental que dependam das exportações, encontrar novo espaço em linear nos seus mercados domésticos, já muito concentrados, será um desafio. Isto poderá acelerar a sua aposta nos mercados emergentes, incluindo oportunidades nas mega cidades da Europa Central e de Leste, Ásia, América Latina, Médio Oriente e África subsariana”, dizem os consultores do Planet Retail.

Aliás, caso não seja negociado qualquer tipo de acordo de comércio com a União Europeia, as relações comerciais far-se-ão ao abrigo dos termos da Organização Mundial do Comércio. Isso significa que a União Europeia será obrigada a impor as suas tarifas externas comuns às importações do Reino Unido e que este será livre de aplicar quotas de importação e taxas aos produtos que entrem no país, de modo a potenciar a produção local e acelerar o processo de reindustrialização. A título de exemplo, as tarifas externas comuns variam dos 11,5% no vestuário, 25,6% no açúcar e confeitaria, 32% nas bebidas e 45% em certos lacticínios. O Reino Unido importa todo o tipo de produtos e 55% tem origem na União Europeia. Sobrepostas a estas tarifas, outras barreiras poderão ser colocadas, como a introdução de novos standards quanto ao “packaging”, rotulagem e requisitos sanitários dos produtos, por exemplo.

De resto, ainda antes do referendo, já Paul Polman, diretor executivo da Unilever, alertava para o perigo da subida dos preços para os consumidores britânicos, dando como exemplo os gelados. Numa entrevista ao Channel 4 News, quando questionado se os preços dos produtos da Unilever iriam aumentar, a resposta foi perentória: “absolutamente”.

Concretamente, a saída do Reino Unido da União Europeia irá aumentar os custos operacionais para muitas empresas com atividade no país, ao restringir o movimento de capitais e a mobilidade das pessoas. A Arla Foods, por exemplo, está sediada na Dinamarca, mas tem operações no Reino Unido. 2.700 dos seus 12.700 produtores são britânicos e mais de 25% das vendas são geradas neste mercado. “A maior parte do nosso negócio no Reino Unido baseia-se na produção local, contudo, para se utilizar a plataforma europeia da Arla, de 13 mil milhões de quilogramas de leite, num nível ótimo, é crítico que os nossos produtos possam circular livremente nos mercados onde operamos”, disse Peter Giortz-Carlsen, responsável europeu da Arla Foods, ao Dairy Reporter.

Veja-se, também, a Coca-Cola, que faz 20% das suas vendas no mercado britânico. As estimativas apontam que o Brexit tenha um forte impacto nos lucros da Coca-Cola European Partners, que começou a ser recentemente cotada na Bolsa de Londres. Não obstante este impacto ter sido já relativizado por fontes da empresa, assegurando que 98% do que é consumido no Reino Unido é de fabrico local, a Coca-Cola European Partners fatura mais de 12 mil milhões de euros e um quinto destas receitas é feito em libra esterlina.

Oportunidades

Ora, a libra tem vindo, consecutivamente, a depreciar-se. Precisamente por isto, a crescente pressão e tendência inflacionárias no sector alimentar britânico irão agudizar as dificuldades para os operadores de supermercados e hipermercados tradicionais, abrindo caminho para o reforço do crescimento do discount, leia-se, Aldi e Lidl. Segundo um estudo da Kantar Worldpanel, esta vantagem pode ser atribuída ao facto de ambos se apoiarem mais na produção local que a sua concorrência. “Existem vários fatores que ajudarão o Lidl e a Aldi a absorver o aumento dos preços e a inflação, concretamente, o sortido limitado, a menor extensão da sua cadeia de abastecimento e, mais importante, as suas economias de escala”, diz o estudo.

A consultora destaca que, no seguimento da sua estratégia para se posicionar como o destino de eleição das compras semanais, os dois operadores de discount aumentaram e melhoraram muito a sua oferta de frescos, com as vendas de frutas, verduras, carne, aves e pão a representarem 50% do total. Além disso, a Aldi, concretamente, implementou uma política de 100% de carne de origem britânica, uma proximidade com os produtores locais que, no curto prazo, a diferencia e fortalece face à concorrência. Não é, contudo, de descartar que o reforço das barreiras aduaneiras e a volatilidade das divisas motive Aldi e Lidl a direcionar os investimentos de expansão para outros mercados europeus, como o francês, o espanhol e o italiano.

A The Economist Intelligence Unit espera que o retalho britânico contraia 3%, em termos reais, este ano. Em termos absolutos, as vendas a retalho deverão ser 6% mais baixas em 2020 face a um cenário “não-Brexit”. Em maio, antes do referendo, antigos gestores de empresas de retalho, como Terry Leahy da Tesco, Marc Bolland da Marks and Spencer, Justin King da Sainsbury’s e Ian Cheshire da B&Q, tinham escrito uma carta a alertar que o Brexit seria “catastrófico” para o retalho no país. Eletrodomésticos, mobiliário e produtos de bricolage serão dos sectores mais afetados, mas também bens alimentares, como as frutas, vegetais e lacticínios, já que 40% são importados.

Com ou sem Reino Unido, a União Europeia continua a ser o segundo maior mercado interno do mundo, em termos económicos, mas a saída dos britânicos vem encolher este mercado em 17%, de acordo com as estimativas do Planet Retail. Uma coisa é certa: a União Europeia do futuro será menor. No seguimento do Brexit, serão menos 12,9% de habitantes, menos 18,7% de consumo e menos 18,3% de vendas a retalho.

Este artigo foi publicado na edição 40 da nossa parceira Grande Consumo.

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L.Branca/PAE

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