Existem alguns comportamentos que ocorreram entre 2009 e 2013 que poderão também ajudar a perceber o podemos estar perante os próximos tempos. Foi em 2009 que surgiu a primeira grande busca pelo preço, que, por um lado, se fez via promoções e, por outro lado, pelo crescimento da marca da distribuição (MDD) nas categorias mais básicas para o consumidor.
Em 2010, o shopper virou-se mais para o consumo dentro de casa, de forma mais racional e com compras mais planeadas. No ano seguinte, o consumo de Fast Moving Consumer Goods (FMCG) dentro dos lares aumentou ainda mais e entrou-se numa nova fase, em que o shopper procurou reduzir os seus custos, enchendo ainda mais as suas cestas de MDD e com promoções.
Em 2012, já se falava de um ajustamento para o que seria um “novo normal”. Este foi o ano da ação do 1 de maio do Pingo Doce e do início de uma nova fase de vida das promoções em Portugal. Houve também o aumento do IVA, que em alguns produtos foi de 6% para 23%, o que levou a uma maior concentração naquilo que era mais essencial, e ocorreu uma redução de consumo em FMCG pelas famílias portuguesas.
Para 2013, o mote foi a gestão do orçamento familiar, com um “out of pocket” ainda mais focado na definição do básico: a alimentação, ainda mais no centro, com os portugueses a voltarem a visitar as lojas mais vezes.
De uma forma geral, estes anos de crise levaram a uma maior procura das marcas da distribuição e das promoções. Mas estas já entram em cerca de 60% das ocasiões de consumo dos portugueses, pelo que, em 2020, está-se a falar de um cenário com características diferentes. E este cenário foi traçado por Marta Santos, Manufacturers Sector Director na Kantar, num webinar dedicado à Covid-19.
Antes e depois
Os últimos anos significaram alguma recuperação do poder de compra dos portugueses, registando mesmo, em 2018, um máximo histórico no consumo privado mais elevado desde 1960. “Esse facto, associado a uma maior oferta promocional, culminou num dos mais significativos níveis de crescimento das compras de FMCG para dentro do lar desta década, que ocorreu em 2019”, notou Marta Santos
Porém, apesar dos resultados positivos, em 2020, era já previsto um abrandamento do crescimento do consumo privado.
E o início do ano revelava isso mesmo. “Os dois primeiros períodos do ano registaram alguma estabilidade no gasto dos portugueses em FMCG, mas a rápida e inesperada mudança nos acontecimentos, com a expansão dos casos europeus de Covid-19, no início de fevereiro, e a confirmação dos primeiros casos em Portugal, no dia 2 de março, até à declaração do estado de emergência, levou a que as atenções se focassem na necessidade de aquisição de todos os bens necessários para fazer faze a uma das fases mais atípicas vividas na história recente. Com o confinamento forçado pela propagação do vírus, verificou-se um aumento de quase 20% realizado pelas famílias portuguesas no terceiro período”.
Impulso das compras dentro do lar
Com o impulso das compras dentro do lar, outras áreas ressentiram-se com uma menor procura de forma súbita. Com as medidas de confinamento adotadas e com os portugueses a fazerem toda a sua rotina pessoal, e até mesmo profissional, no seio dos seus lares, áreas de negócio como o vestuário, gasolineiras e de consumo fora de casa, forçosamente, deixaram de ser de prioridade para o consumidor, o que levou a quedas históricas do número de compradores.
Desde o início, mais de 80% dos portugueses já revelavam uma elevada preocupação com a crise que se instalava. Porém, se no início do mês de março lavar as mãos com frequência ou promover o distanciamento social eram o principal foco de atenção, na segunda metade do mês as preocupações rapidamente escalaram para as consequências económicas que possam surgir desta pandemia, tanto a nível nacional como pessoal, sobretudo no que diz respeito à manutenção dos seus próprios empregos.
“Falamos, então, de um comprador que se movimentou nas suas compras ao ritmo da crise, que num curto espaço de tempo mudou não só a sua forma de pensar, mas também a sua forma de agir. Um comprador que, na última semana de fevereiro, a semana 9, já começou a sentir a necessidade de fazer mais uma ou outra compra extra de precaução, gerando, nessa semana, um ligeiro aumento no tráfego das lojas”, destacou.
Porém, foi a confirmação dos primeiros casos de Covid-19 em Portugal que deu início à onda de afluência de compradores nas lojas. Primeiro, para cestas mais rápidas e de necessidade imediata, que se verificaram na semana 10; depois, na semana 11, para armazenar um maior número de produtos, tanto em variedade como em quantidade. Até que se entrou na fase de confinamento, onde a presença de compradores recuou para níveis nunca antes vistos e a prioridade passou a ser um planeamento cuidadoso e cestas mais volumosas, que suprimissem as necessidades do lar para um período de tempo mais longo que o normal.
Comprador em progressiva mutação
Mas o conteúdo das cestas não foi sempre o mesmo e revelou um comprador em progressiva mutação. Movido pela constante mudança de cenários, alterou as suas prioridades.
Tendo como referência a forma como os portugueses dividiram o gasto em FMCG, consegue-se observar, semana após semana, que a importância dada aos três principais sectores de compra – alimentação, limpeza do lar e higiene pessoal – mudou rapidamente. Com a iminente chegada do vírus a Portugal, a primeira grande prioridade, na semana 9, foi a higienização do lar e da roupa: basicamente, esterilizar todos os elementos de contacto direto.
Na semana 10, assinalou-se a épica corrida à compra de produtos frescos, embora a higienização continuasse a ter lugar de destaque, deixando, inclusivamente, de ser restringida ao lar para passar ao campo pessoal. “Ao mesmo tempo que comprava desinfetantes, o shopper procurava complementar o restante cuidado do corpo, abrindo espaço ao aumento de compra de produtos de segunda necessidade”.
À medida que os casos se multiplicavam, na semana 11, aumentava o nível de informação sobre o vírus e os portugueses perceberam, mesmo antes da imposição de algum tipo de confinamento, que esse cenário iria mesmo concretizar-se. “Por essa razão, além da corrida ao papel higiénico, sentiram a necessidade de rechear a despensa com alimentação, tendo como prioridade alimentos básicos, de longa duração, como as conservas, massas, arroz”, detalhou.
Mesmo após ter sido declarado o estado de emergência, na semana 12, este tipo de alimentação continuou a ser a principal prioridade, para fazer face a um maior número de momentos de consumo dentro do lar. Porém, aumentou também um outro tipo de necessidade emergente, mais ligado à indulgência. Impossibilitados de ir à rua para preencher aqueles momentos de prazer característicos do consumo fora de casa e dos atos sociais, a solução encontrada pelos shoppers passou pela criatividade e maior diversidade desses momentos de consumo dentro do lar, abrindo espaço a categorias como cerveja, farinhas, açúcar e doces.
Categorias com comportamentos distintos
O aumento da compra nas diferentes categorias foi feito de forma distinta, pois nem todas têm a mesma finalidade ou regularidade de aquisição. De um universo de 120 categorias de FMCG, metade delas sofreram uma mudança significativa na forma como foram compradas: 37% foram compradas por antecipação e 14% por armazenamento.
Dentro dos produtos comprados por antecipação encontram-se categorias que registaram um aumento de compra não por quantidade por comprador, mas sim pelo anormal número de compradores que, em algum momento, iam efetuar esta compra, mas que, devido às circunstâncias atuais, o fizeram no mesmo espaço de tempo. Aqui destacam-se categorias de alimentação, ligadas à conveniência e ao prazer, mas sobretudo os produtos ligados à higiene pessoal e limpeza de mãos.
Nos produtos armazenados encontram-se, essencialmente, categorias de alimentação básica, como as massas e o arroz, de longa duração, como as conservas, e de utilização diária, como o leite, pet food e papel higiénico.
Novas prioridades
Dentro destes dois efeitos de compra, existe um pequeno grupo de categorias que foram compradas de forma antecipada, mas também em grande quantidade, que podem ser consideradas como as novas prioridades provocadas pelo confinamento. Onde se destacam as conservas de carne, vinagres, farinhas e higiene íntima.
Por outro lado, existem categorias que acabaram por registar, nesta primeira fase de confinamento, um desempenho abaixo das restantes, que parecem não ter constado na lista de prioridades, seja devido a um armazenamento anterior, até fruto de uma recorrente intensidade promocional, seja porque, em momento de crise, não são uma prioridade.
Contas feitas, no final do trimestre, o preço reforçou-se, sobretudo nos sectores onde mais pesam os gastos, como é o caso da alimentação e a higiene pessoal.
Com a cortesia da Grande Consumo