Ao longo dos últimos sete anos, entre 2013 e 2019, o valor médio dos imóveis residenciais transacionados aumentou cerca de 42,5%, em termos nacionais, alcançando variações máximas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto e no Algarve, sendo que esta dinâmica não foi acompanhada nem por um crescimento semelhante em termos das remunerações auferidas pelas famílias, nem em termos da riqueza per capita gerada em Portugal.
Acresce que, de acordo com o Banco de Portugal, em igual período, o volume de crédito à habitação concedido pelas instituições financeiras nacionais aumentou 418,6%, sendo que esta foi uma das principais forças motrizes da recuperação económica do sector imobiliário até março.
Com o isolamento social e o estado de emergência declarados no final do primeiro trimestre, a desaceleração da economia foi dando progressivamente lugar a sinais de recessão, sendo que o sintoma mais visível é o facto de mais de um milhão de portugueses, no espaço de um mês, ter ficado em lay-off, perdendo parte não negligenciável do seu rendimento disponível, ou ter ficado em situação de desemprego.
Medidas compensatórias
Apesar das medidas compensatórias definidas pelo Governo e das moratórias estabelecidas para proteção de inquilinos e de famílias com crédito à habitação, caso a amputação das remunerações seja significativa e caso se verifique um aumento substancial nos créditos de cobrança duvidosa, poder-se-á estar na aurora de uma nova crise financeira em Portugal, que poderá gerar, novamente, uma crise de dívida soberana se o Estado Português se vir forçado a financiar a revitalização da economia sem o suporte de uma estratégia conjunta europeia.
“A recessão que o país viveu, entre 2008 e 2013, foi uma crise sentida a dois tempos, primeiro, com uma crise financeira com origens internacionais e, posteriormente, afetando a sustentabilidade da dívida soberana, que se revelou gradualmente erosiva, e que, por este motivo, permitiu a acomodação de soluções parciais ao longo do tempo. A atual crise foi repentina, sem aviso, com impacto no tecido produtivo e no emprego, gerando um verdadeiro curto-circuito na economia”, explica Manuel Braga, CEO da Imovendo.
Turismo como parte integrante de uma resposta “musculada”
Segundo a empresa, a “normalidade” só será atingida quando a indústria do turismo recuperar parte significativa do seu dinamismo e sustentabilidade e se se verificar uma resposta musculada por parte da União Europeia, pois, caso tal não aconteça, a recuperação da economia demorará muito mais tempo, só será alcançada por via da austeridade e aumento da carga fiscal e o preço futuro a pagar por todos será significativo.
“Para um país periférico como Portugal, altamente dependente do turismo, o pior cenário será o que assenta no endividamento soberano, que enfrentará sucessivos aumentos dos juros cobrados e concorrerá para que o país entre numa espiral de austeridade como a que foi vivida até 2013. Caso tal aconteça, a nova normalidade do sector imobiliário será pautada pelo ajustamento em baixa dos preços, por uma rarefação da procura e por uma excecional dificuldade em escoar produto novo que, recorde-se, era apontado, ainda há pouco tempo, como uma prioridade do sector”, sublinha o mesmo responsável.
Mercado imobiliário com procura a despontar
No entanto, e apesar do futuro próximo não se revelar promissor, o mercado imobiliário regista já sinais lentos de inversão de tendência do lado da procura, estimando-se uma recuperação em “V”, embora um com “V” muito aberto do lado da recuperação. Depois do pico atingido entre 15 e 22 de março, a recuperação poderá ter-se iniciado com um comportamento não simétrico (mais lento), que reflete a combinação de três fatores: sanitários, uma vez que o estado de emergência ainda vigora e o isolamento social ainda se recomenda; emocionais, pois a questão de fundo não é saber se é possível adquirir um imóvel, mas se as famílias se encontram emocionalmente disponíveis para tomar decisões; e económicos, em virtude da contração económica ter obrigado a medidas de lay-off e aumento de desemprego.
A consultora adianta ainda que o carácter transversal do impacto da Covid-19 pode igualmente ser corroborado pelas principais dinâmicas que impactaram a procura de apartamentos e moradias online, uma vez que, em ambos os casos, os movimentos são em tudo semelhantes.
A análise salienta também que é expectável que o mercado de compra e venda de moradias recupere de forma mais célere, uma vez que este tipo de produto não só se destina, geralmente, a segmentos de população de mais altos rendimentos, como não sofrerá, como no caso dos apartamentos, de uma maior instabilidade de preços, por via da injeção de novo produto oriundo do alojamento local.
“Hoje, quem tem o poder, é a procura. Até 15 de março, quem definia preços era o proprietário, mas agora o comprador sabe que é um ativo raro e dita condições. Há quem só visite imóveis na condição do proprietário baixar 10% à cabeça. E, com o eventual agravamento da crise, poderão, mesmo, acabar por aceitar”, conclui Manuel Braga.