2017 arranca com o consumidor português a apresentar elevados níveis de confiança, nunca vistos nos últimos anos. No entender de Ana Paula Barbosa, Retailer Services Director da Nielsen, tudo indica que esta dinâmica positiva se vá manter. O ano será marcado pela valorização das categorias de valor acrescentado, com o consumidor a não recusar pagar um premium por aquilo que lhe der benefícios tangíveis. Ano, ainda, onde as estratégias de fidelização terão de começar a evoluir e a ganhar outros atributos que não o preço. Com as promoções a abrandarem o ritmo, o foco do retalho irá, progressivamente, desviar-se para as marcas próprias como elemento de diferenciação, cabendo à indústria encontrar novas formas de fidelização e conquista de clientes.
Grande Consumo – Arrancamos em 2017 com uma confiança tão em alta, por parte dos portugueses, como a Nielsen reportava no final de 2016?
Ana Paula Barbosa – A confiança dos consumidores continua a subir. Em 2016, atingimos novos valores máximos. Já tínhamos assistido a máximos em 2015 e, em 2016,a confiança dos portugueses continuou a crescer e a aproximar-se da média europeia, sendo que, culturalmente, Portugal tem sempre um nível de confiança baixo. Pelo que este índice de 70 e que se aproxima do nível da Europa, que é de 81, é um nível mesmo muito elevado para o consumidor português. Nunca vimos um nível assim nos últimos anos.
GC – Consideram que esta dinâmica de confiança se vai manter ao longo do primeiro trimestre de 2017?
APB – Não vemos razões que apontem noutro sentido. Não temos recebido notícias muito negativas, muito pelo contrário. Os indicadores económicos também são bastante favoráveis, pelo que não temos qualquer indicação de que a tendência se possa inverter.
GC - Quais as tendências macro que a Nielsen antecipa para 2017?
APB – Acreditamos que as categorias de valor acrescentado, de uma forma geral, vão continuar a crescer, tal como o vinham a fazer em 2016. Valor acrescentado no sentido de trazer algum tipo de benefício ao consumidor.
Salientava quatro grandes tendências. Por um lado, a alimentação saudável e esta é uma tendência não só para 2017, mas para os próximos cinco anos. Até pela própria evolução do consumidor e da forma como está informado sobre estas temáticas. Portanto, é muito provável que, com inovações pelo meio, esta tendência se irá manter.
Outra tendência verificada em 2016 é o aumento das categorias de beleza, que durante a crise estiveram muito estagnadas, mas hoje em dia têm um novo dinamismo. Há que também dizer que a oferta por parte do retalho tem também melhorado, há uma maior sofisticação, uma aposta nas áreas de maquilhagem, cosmética, até ao nível da marca própria. Isto tem trazido resultados. Veja-se, por exemplo, ao nível dos perfumes, as equivalências que o retalho tem lançado e que têm tido também uma boa aceitação.
Além disso, temos de mencionar a conveniência. Há uma necessidade cada vez maior de conveniência, pelo que esta é, também, uma tendência para o futuro. O consumidor procura facilitar a sua vida. Não é por acaso que a principal preocupação do consumidor português mencionada no nosso estudo “Índice de Confiança” é o equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal. É algo muito específico de Portugal, o que revela bem esta necessidade de soluções que facilitem a vida do dia-a-dia do consumidor. Por conveniência estamos a falar de refeições prontas e de todas as soluções que permitam poupar tempo e recursos. O take-away, por exemplo, é uma área que em dois anos cresceu 18% no retalho alimentar, pelo que será um foco estratégico para os operadores portugueses.
Finalmente, há que destacar as chamadas “small indulgencies”. O fenómeno do gin já é conhecido. Estamos a assistir ao surgimento do do rum. Na área das bebidas as modas pegam e o consumidor adere bem a estas tendências. Há também categorias que são de impulso e que, pelas inovações, estão a crescer, porque estamos num contexto favorável. Desde as sidras aos aperitivos embalados, as cervejas premium, as sobremesas refrigeradas, etc.
Estas tendências que referimos, algumas têm mais que ver com a conjuntura atual, nomeadamente a questão da beleza e dos pequenos prazeres. Mas os outros fatores vão manter-se, como a conveniência e a saúde. Assim como o envelhecimento da população. O "target" sénior vai crescer e também transformar-se.
GC – A "premiumrização" da compra veio para ficar?
APB – O “shopper” tem dois lados. Por um lado, é muito racional, ou seja, não quer pagar mais se não encontrar nenhum benefício no produto que está a comprar. Em tudo o que sejam produtos básicos, onde o consumidor não veja nenhum valor acrescentado, não vai estar disponível para pagar mais.
Agora, quando existe, de facto, um benefício – de saúde, conveniência, prazer – que o “shopper” valorize, aí sim, sabemos até pelos estudos que temos efetuado que ele está disposto a pagar um preço mais elevado.
GC – Como é que o e-commerce tem evoluído? Os portugueses gostam ou rejeitam o online?
APB – Os portugueses gostam do online. Muito recentemente foi publicado um estudo sobre este tema, onde se pode ver que a apetência dos portugueses é superior à média europeia. A própria penetração dos smartphones em Portugal é muito elevada.
Temos aqui um tema de oferta que, pensando especificamente nos bens de grande consumo, ainda é bastante limitada. Mesmo dentro da oferta existente, as modalidades ainda não estão completamente desenvolvidas como acontece noutros países.
Também há aqui uma questão de custo/benefício. Sabemos que o custo da entrega ainda é uma barreira. Para isso, há que ir buscar novos métodos de recolha e entrega de modo a que o e-commerce possa tornar-se numa solução mais vantajosa.
GC – Os programas de fidelização ainda são eficazes?
APB – O nosso estudo apurou que os consumidores procuram muito descontos de preço através dos programas de fidelização. Mais uma vez, é uma questão de oferta.
Agora, o desafio, para os próximos anos, vai ser fidelizar, tanto para as insígnias, como para as marcas, e os programas de fidelização não podem ser indiscriminados. Tem que haver um nível de personalização tal que provoque essa fidelização.
Estes programas vão ter que evoluir para criar mais laços com o consumidor. Terão de ser mais customizados. Para além da redução de preço, terão de ter formas alternativas de valor acrescentado.
GC – Vivemos um período de transição, com o mercado a evoluir para outros modelos de negócio que unem o físico e o digital?
APB – São, de facto, realidades complementares. É difícil prever como as coisas irão evoluir, mas qualquer evolução terá que ter um equilíbrio entre os fatores conveniência, preço e oferta. Aquele modelo que conseguir otimizar as três variáveis será o vencedor.
GC – As redes sociais cada vez mais influenciam a própria forma como consumimos. Acredita que as redes sociais vão também ajudar a construir um sortido muito mais dirigido para os consumidores?
APB – Os vários estudos internacionais mostram que as redes sociais influenciam já muitas decisões de compra e vão fazê-lo cada vez mais. As redes sociais vão criar um contacto mais direto com o consumidor.
GC – Há algum traço distintivo do consumidor português neste arranque de ano?
APB – Temos um relatório chamado “Growth Reporter”, que nos dá a evolução dos bens de grande consumo em volume, valor e preços, onde Portugal se destaca pela positiva nos crescimentos dos volumes. Compramos mais.
Havia um aspeto de deflação, relacionado com a forte intensidade promocional, que já está a recuperar e acreditamos que, em 2017, é possível ter uma situação mais favorável.
O nosso “shopper” é promodependente, mas também é influenciável. Conseguimos desviar a sua atenção para aspetos diferentes que não as promoções. Veja-se o fenómeno dos colecionáveis, que não tinham qualquer benefício em termos de desconto de preço, antes pelo contrário, até implicavam um maior investimento, e as campanhas resultaram.
As marcas de fabricante têm de começar a pensar em estratégias de fidelização, até porque em 2017 antevemos um novo foco nas marcas próprias. Quando olhamos para os ciclos, vemos que o das promoções não vai terminar de um dia para o outro, mas estão a abrandar. Há, assim, necessidade de apostar em estratégias de diferenciação. Para o retalho, a marca própria é um instrumento de diferenciação entre as várias insígnias.
Esta entrevista foi publicada na edição 43 da nossa parceira Grande Consumo.