A Mercadona, a maior cadeia de distribuição espanhola, liderada pelo carismático empresário Juan Roig, anunciou, em junho passado, que o seu percurso de internacionalização - sobre o qual se especulava há vários anos - se iniciaria com a entrada no mercado português. Um investimento de 25 milhões de euros, na abertura de quatro lojas… em 2019.
Aparentemente, não se trata de um investimento demasiado vultuoso. É anunciado a uma grande distância de tempo da sua efetiva concretização. E quatro lojas é um número quase ridículo quando comparado com as mais de 550 lojas do Minipreço, as mais de 400 do Pingo Doce, as 220 do Continente, as quase 240 do Lidl ou as mais de 240 do Intermarché.
Contudo, desde então, a entrada da Mercadona no mercado do retalho português tem sido tema de múltiplas notícias e inúmeras conversas, que transcendem claramente aquela que parece ser a importância relativa desta decisão de investimento e o aparente impacto que a mesma terá no sector da moderna distribuição no nosso país.
Para tal, muito contribui a verdadeira central de informação que o grupo espanhol montou e que todas as semanas faz cair nas redações dos órgãos de comunicação social notícia atrás de notícia, sempre na conquista de notoriedade, sempre na construção dos alicerces da sua reputação. Hoje é a contratação de quadros (e os milhares de curricula recebidos), amanhã é a aquisição da sua sede, na semana que vem a localização das suas lojas e na seguinte a inovação dos seus interfornecedores e assim sucessivamente, semana após semana, colocando permanentemente a Mercadona nas páginas dos media…
Todo este ruído não será também alheio ao facto de, desde há praticamente uma década, não haver notícia da entrada de um novo operador – nacional ou internacional – no mercado da grande distribuição em Portugal. E no mesmo período terem sido várias as insígnias que desapareceram ou abandonaram o nosso país.
Perguntas recorrentes prendem-se com a escolha de Portugal pelo grupo de Juan Roig, a que não será estranha a dimensão demográfica e geográfica do nosso mercado, bem como a possibilidade de aprovisionamento através das suas plataformas logísticas na Galiza ou Andaluzia. Ou o facto de haverem decidido a instalação das suas primeiras lojas no Grande Porto, o que para além de ser uma base para uma eventual futura ampliação para uma operação nacional, faz recordar que outro grande grupo económico espanhol – a Inditex, dona da Zara – também iniciou a sua internacionalização, que hoje a posiciona nos cinco continentes, exatamente na cidade invicta. Mas igualmente com a atratabilidade do mercado português – onde avultam as elevadas margens do “trade”, bem superiores, por exemplo, às do mercado espanhol – ou com a reação possível dos maiores operadores nacionais, sendo de esperar uma resposta firme e agressiva da parte da Sonae e Jerónimo Martins, mas também do Lidl.
A Mercadona é um verdadeiro fenómeno de sucesso em Espanha e tem tido uma ascensão meteórica no mercado do grande consumo, convertendo-se em pouco mais de duas décadas de uma cadeia com uma importância relativa a nível regional (partindo do seu berço, em Valência), para se converter na mais importante cadeia a nível nacional, com implantação crescente nas várias comunidades autonómicas.
A cadeia espanhola cresceu em cima de uma estratégia comercial rígida: o chamado “every day low pric”’. No entanto, só agora faz o primeiro ensaio de saída das fronteiras espanholas, escolhendo um mercado em que as duas insígnias líderes são de base nacional e apresentam crescimentos, na última década, ainda mais significativos que os da Mercadona (Continente: mais 50%; Pingo Doce: mais 120%).
E duas insígnias que souberam adaptar-se, cavalgar e construir rentabilidade neste mar de promodependência em que se converteu o mercado português. Duas insígnias habituadas a gerir os “highs and lows” provocados pelas fortes e constantes promoções, o que contrasta profundamente com o referido “every day low price” que os espanhóis mantêm como regra única. A Mercadona, por outro lado, é aquilo a que normalmente se designa como uma cadeia de sortido curto, com uma forte prevalência de marcas próprias e com uma estratégia que contempla apenas produtos “must have” de marca de fabricante nas suas prateleiras.
O seu aprovisionamento de marcas próprias provém, em larga medida, da sua ampla rede de interprovedores, empresas que se dedicam exclusivamente - e em interação com a insígnia - ao fabrico daqueles produtos, num modelo de negócio bem diferente daquele que é seguido pelas maiores cadeias de distribuição nacional.
Tal não significa que, para ter sucesso junto dos consumidores portugueses, não vá ter, obviamente, que recorrer a fabricantes nacionais e a marcas de elevada notoriedade no nosso mercado. E que o sucesso das suas marcas – Hacendado, Deliplus, Bosque Verde ou Compy – se repita em Portugal.
Em conclusão, a mais de dois anos de distância da chegada da Mercadona a Portugal há uma pergunta que, pelo menos em minha opinião, continua no ar: será o seu crescimento no mercado nacional orgânico, lento e paulatino, ou será acelerado com aquisições de lojas de outros operadores?
E uma nota final para recordar que num mercado como o português, maduro, com uma demografia regressiva, um notório envelhecimento populacional e com uma malha de lojas que não deixa nenhuma parcela do território nacional de fora, o crescimento de uma qualquer cadeia de distribuição se fará sempre por canibalização das restantes cadeias a operar no nosso mercado. Pelo que para que a Mercadona cresça, as outras insígnias terão que perder o seu espaço atual. Mas, será que elas estarão disponíveis a deixar que isso aconteça?
Pedro Pimentel
Diretor geral da Centromarca
Artigo de opinião publicado na edição 42 da nossa parceira Grande Consumo.