O mantra do regresso ao básico, de que muito se falava há anos, tornou-se uma realidade, com a crise pandémica. É aplicado em todos os aspetos da vida quotidiana, incluindo na relação dos consumidores com as marcas. Como nota Michela Russo, Head of Brand Strategy and Guidance da divisão Insights da Kantar Itália, “estamos a decidir quais marcas queremos que façam parte da nossa vida e quais as que não queremos”.
Num artigo publicado no site global da consultora, Michela Russo aponta algumas das lições vindas de Itália, o primeiro país europeu a ter de lidar com a Covid-19 e um dos mais penalizados, para o sector do grande consumo. “À medida que os nossos comportamentos quotidianos mudam, nós, enquanto pessoas e enquanto consumidores, estamos a avaliar o nosso estilo de vida e a aprender a dar prioridade ao que realmente interessa. O que queremos manter e o que queremos deixar para trás”, reforça. “Este é o momento em que as marcas podem ser fortes e crescer na nossa mente e entrar nos nossos corações. Ou, simplesmente, sair deles e perder relevância. Especialmente em momentos como estes, as marcas têm de se manter em sintonia com os seus consumidores, monitorizando continuamente como os seus comportamentos estão a mudar, de modo a adaptarem-se a essa mudança. Uma vez que as pessoas não estão em modo de piloto automático, mas sim a reavaliar as suas próprias vidas e a rever as suas escolhas”.
Orgulho nacional
Este regresso ao básico vai para além das marcas. Um dos fenómenos observados em Itália é que o do orgulho no que é nacional, transversal a todos os cidadãos, instituições, organizações e marcas. “Todos falam do orgulho italiano, na força de Itália, no poder do ‘nós’”, afirma Michela Russo. “Por mais dramática que esta situação possa ser, existe um resultado positivo: estamos a redescobrir o sentimento de fazer parte de uma nação e da partilha de alguns traços que nos tornam únicos. É um pouco o que acontece durante um mundial de futebol, mas com maior intensidade e profundidade”.
Este fenómeno, diz Michela Russo, não é exclusivo de Itália. Está a ser observado um pouco por todo o mundo, com a aproximação das comunidades. Veja-se os exemplos dos grupos de ajuda entre vizinhos que despontam nas redes sociais um pouco por todo o lado.
Papel das marcas
Para as marcas, existe uma oportunidade na capitalização deste orgulho nacional, mas nem todas estão a conseguir fazê-lo. Uma pesquisa recente da Kantar apurou que as pessoas estão a ficar cansadas com as mensagens positivas genéricas por parte das marcas. O barómetro à Covid-19 demonstra que o que as pessoas estão a valorizar é a empatia demonstrada através de ações concretas. No caso de Itália, por exemplo, 80% dos inquiridos querem que as comunicações das marcas demonstrem de que modo estas os podem ajudar na sua vida quotidiana.
Deste modo, a Kantar deixa algumas pistas que as marcas devem considerar para capitalizar este “momento do nós”. Desde logo, a consultora sublinha que os consumidores querem marcas em que possam confinar, que sejam transparentes, que se comportem de modo justo e honesto, uma vez que se vive um momento de grande incerteza. Para responder a este anseio, em Itália, a companhia de seguros Generali lançou um novo produto de seguro de saúde para ajudar a lidar com a atual situação sanitária, sob o slogan #InsiemeGeneriamoFiducia (#JuntosCriamosConfiança).
Outra das pistas é que os consumidores necessitam de marcas que os apoiem na sua nova rotina diária, de um modo prático e emocional. Veja-se o exemplo da IKEA, que abraçou o novo modo de vida dando dicas e sugestões para lidar com a situação. A campanha #TogetherAtHome conta histórias de como as nossas casas incluem agora o escritório, o ginásio e o jardim infantil e de como podemos tirar o máximo proveito disso.
Os consumidores também querem marcas que estejam próximas deles e entendam as suas necessidades, respondendo de acordo com isso. Em Itália, outra companhia de seguros, a Unipol, decidiu reembolsar um mês de seguro automóvel a todos os seus clientes uma vez que, devido ao isolamento para conter a pandemia, ninguém utilizou os seus automóveis.
Finalmente, os consumidores anseiam por honestidade, num mundo onde as notícias falsas dominam. A este respeito, vejam-se as medidas tomadas pelo Instagram para controlar as fontes das notícias.
Propósito
“No final do dia, tem tudo que ver com propósito”, sublinha Michela Russo. “A questão que as marcas se devem colocar é como este momento de unidade se traduz ao nível do seu propósito de marca. O que podem fazer para dar vida a este ‘nós’, de um modo que vá autenticamente ao encontro do seu posicionamento e propósito”.
Para serem bem-sucedidas a navegar a tempestade causada pela Covid-19, as marcas terão de ser consistentes. Existem pilares dos quais não se pode abdicar mesmo em momentos de reação. “As pessoas têm de ter uma experiência consistente em todos os pontos de contacto e intuitivamente reconhecer todas as expressões da marca. A resposta à Covid-19 não é diferente”, conclui.