Passaram já quatro anos que o retalho deixou de comprar produtos da Miele. Os electrodomésticos estão nas suas lojas, são propostos aos clientes, mas os retalhistas não os compram à marca. Corria o ano de 2009 quando a empresa alemã veio propor ao mercado uma forma completamente disruptiva de encarar o negócio e o triângulo da relação entre a marca, a loja e o consumidor. Uma nova proposta de valor em que os clientes da Miele são, única e exclusivamente, os consumidores finais, cabendo aos retalhistas o papel de parceiros, num sistema em que a marca assume todos os riscos e custos de comercialização dos seus produtos. Hans Egenter, director geral da empresa, não tem dúvidas de que esta inovação comercial e toda a mudança de mentalidades associada compensaram. Com benefícios claros para os consumidores, para o retalho e também para a própria marca.
Em Julho de 2009 a Miele introduzia no mercado nacional aquilo que ficou conhecido como sistema ACM – Agente Certificado Miele. Um modelo que veio, essencialmente, propor ao retalho que deixasse de comprar os produtos Miele, mas que continuasse a tê-los nas suas lojas e a propô-los ao consumidor mediante uma comissão sobre as vendas. Em última instância, a marca assumia todos os custos de transporte, gestão de stocks, armazenagem e de cobranças associados à venda dos seus produtos, deixando tempo e os recursos necessários para que o retalho fizesse o que melhor sabe fazer: receber os clientes nas suas lojas, escutar as suas necessidades e propor as soluções mais adequadas.
Volvidos quatro anos, o balanço feito para Miele é inequívoco: o risco valeu a pena. “Em 2012, a Miele vendeu mais electrodomésticos do que nos três anos anteriores. E tudo leva a crer que em 2013 vá continuar nesse crescimento. Pelo menos, nos primeiros quatro meses deste ano isso aconteceu e a quota de mercado continua a subir”, confirma Hans Egenter, director geral da Miele. “Desde o primeiro ano que a Miele cresce no retalho com o sistema ACM na ordem dos dois dígitos, em quantidades e em valor, o que ajudou a compensar a queda dramática na construção”.
Portugal foi o segundo país na Europa a acolher este novo modelo de comercialização, que veio instaurar um equilíbrio de forças completamente distinto do que o retalho estava habituado. De tal forma que, à primeira vista, até se poderia pensar que a loja pudesse sair prejudicada, visto que ganha apenas uma comissão. Mas este apenas é relativo e muda logo de figura se acrescentarmos as restantes variáveis e todos os custos que o retalho economiza, nas diferentes fases do processo de venda, pela adesão ao modelo. “Pessoalmente, sempre estive convencido que esta relação mais directa entre o consumidor, o retalho e a marca traz vantagens para todos os envolvidos. Antes de iniciarmos a sua implementação, falámos com todos os “stakeholders” e o retalho viu possibilidades de ter maior liberdade financeira”. No cálculo destes custos, a Miele considerou três por cento com o transporte, dois por cento com o armazém, dois por cento com questões administrativas, um por cento de perdas ou danos em armazém e transporte e um por cento em incobráveis para quem vende a crédito. “Hoje em dia, considero que o risco de vender a crédito é bem mais alto do que o valor mencionado e que, com a rápida introdução de novos e mais atractivos modelos no mercado, o risco de se ficar com stock antiquado é cada vez mais elevado. Risco que não existe no sistema ACM”.
Por outro lado, não esqueçamos a própria comissão. Um valor que a Miele não revela, mas que garante ser um número de dois dígitos, a todos os 15 dias. De acordo com Hans Egenter, todos os agentes reconhecem que a percentagem das vendas paga pela Miele representa um valor que é extremamente interessante, considerando que é mais que suficiente para pagar o serviço prestado pelo agente que, por sua vez, não corre qualquer risco no percurso do negócio. “A comissão é paga quinzenalmente, independentemente se os electrodomésticos já foram entregues pela Miele ao consumidor ou não”.
Mudar as mentalidades
Claro está, que a implementação deste modelo de comercialização também teve os seus desafios. O percurso não foi fácil e implicou, acima de tudo, um profundo trabalho de mudança de mentalidades. “Nomeadamente, o ter de ultrapassar alguns receios do retalho, de que a Miele estivesse a querer “roubar” os clientes e de que estes não aceitassem fazer o pagamento antes da entrega da mercadoria”, adianta Hans Egenter. Desafios que foram superados e hoje muitos agentes incorporam nos seus próprios modelos de gestão alguns dos vectores deste sistema, nomeadamente o pagamento antecipado. “E agradecem à Miele ter-lhes mostrado que o cliente aceita este procedimento”.
Para os profissionais da Miele, o sistema ACM veio também consubstanciar uma “mudança de chip”, pela necessidade de um fortíssimo acompanhamento e intervenção no ponto de venda que obriga. Em vez de vendedores, a Miele tem hoje Sales Developpers, que não se preocupam mais em negociar, mas sim em arranjar mecanismos para potenciar o fluxo de clientes na loja e apoiar a estrutura de vendas.
Em 2010, o sistema ACM estava implementado em cerca de 179 agentes, desde especialistas de cozinhas, lojas do chamado retalho tradicional e distribuição moderna. Número que cresceu entretanto. “Perdemos alguns pontos de venda, devido ao intensificar da crise, mas em paralelo continuou sempre a haver retalhistas interessados em fazer parte da nossa rede de agentes e aproveitar as vantagens do sistema ACM. No seu total, aumentámos ligeiramente o número de pontos de venda”.
O balanço é então francamente positivo para a marca e para o retalho, mas a Miele garante que o consumidor também apreciou a ideia de ter um contacto mais directo consigo. Todo este processo, que trouxe para o mercado nacional uma completa alteração de paradigma, permite em última análise assegurar aquilo que Hans Egenter define como “uma verdadeira experiência Miele”. Ou seja, garantir que quem opta por investir num produto da marca alemã, e que tem determinadas expectativas, as veja totalmente satisfeitas em todas as etapas da experiência de compra, desde o atendimento até à entrega e instalação dos electrodomésticos em sua casa.
De facto, na base da implementação deste modelo, esteve uma análise prévia que detectou que o serviço prestado ao consumidor Miele nem sempre cumpria os parâmetros de qualidade desejados. Muitas vezes, assegura o director geral, essa situação reflectia-se em “falsas avarias técnicas” que, em vez de causadas por uma desconformidade do produto propriamente dita, se deviam, em primeiro lugar, a uma deficiente análise das necessidades do cliente, e consequente venda de um produto que não se enquadrava nessas mesmas necessidades, e em segundo lugar a instalações mal efectuadas.
Mas existem outros benefícios já contabilizados. A começar pela redução da percentagem de produtos que se danificam aquando da entrega, especialmente nos aparelhos de frio, e de algo que não é possível quantificar: a saúde da relação entre retalho e fornecedor. “Porque deixa de haver fricção quanto à atribuição de responsabilidades. Sejam as notas de débito devidas ou indevidas, sejam outros momentos na relação entre os parceiros que podem causar mal-estar, tudo isso terminou. Pelo facto de que a Miele entrega e o retalhista nada tem de se preocupar”. Por outro lado, dado que o preço e as condições são definidas pela Miele, não existem distorções no mercado, nem obriga ao esmagamento da margem.
Escusado será dizer que consumidores satisfeitos têm mais probabilidades de recomendar e tornar a comprar produtos da marca. “A Miele tem sido, desde 2001, sempre a Marca de Confiança dos Portugueses, segundo a votação promovida pela Selecções do Readers Digest, mas foi muito interessante verificar que, a partir de 2009, altura da introdução do sistema ACM, os consumidores passar a votar ainda mais na Miele, que alargou a sua distância face à segunda marca. Quero com isso dizer que o próprio consumidor reconhece o valor acrescentado do sistema ACM”.
Convém relembrar que Portugal foi um dos pioneiros na implementação deste sistema, que deu os primeiros passos na Austrália. Hans Egenter continua a acreditar que poderá ser uma solução até para outras marcas, nomeadamente as que “vendem valor”. “É evidente que o sistema ACM traz consigo a necessidade de criar uma estrutura especial, seja na logística seja no CRM, não sendo, por isso, a solução mais adequada para marcas de grande volume de vendas. Mas, para as de alta qualidade, de certeza que é uma solução com futuro”. A proposta da Miele vai assim manter-se e continuar a crescer, reforçada pela plena aceitação pelo consumidor e pelas vantagens para o retalho confirmadas por estes quatro anos de implementação.