Para os profissionais portugueses, em pleno cenário de desafio, a distribuição terá então de se adaptar à própria dimensão do país. Antecipam-se mais movimentos de concentração, fusões e trocas de participação. “Decididamente, algumas cadeias irão mudar de mãos e a racionalização provocará mais desemprego, logo menos consumo e voltamos ao início do ciclo”, defende Jorge Conde, administrador da Florente. “Poderia ser algo de positivo se, com isso, aumentasse a competência dos ‘players’, mas viu-se com a saída do Carrefour, há uns anos, que não é assim que funciona. O maior problema da grande distribuição é a célebre lei de Pareto, dos 20/80, que limita a gama de artigos. E, sem gama, o cliente não se fideliza”.
Uma das conclusões que salta logo à vista do estudo do CREDOC é a pouca importância que os profissionais do comércio dão às temáticas tradicionais. A sensibilidade ao preço e as guerras entre insígnias parecem ser uma página virada. “O primado do preço faliu. Prepare-se para assistir, em Portugal, ao fecho puro e duro de duas ou três insígnias que só apostaram no preço”, avança João Catalão, administrador da SalesUp. “É evidente, e estamos a verificar agora, que quem só apostou no preço, quando o cliente não era só isso que procurava, está agora a sofrer as consequências dessas decisões passadas, passando por grandes dificuldades e, em muitos casos, fechando portas ou fazendo ‘downsizings’ radicais”, concorda Carlos Maia. “O operador inteligente terá que ter um olho no burro, o seu preço e o dos outros, e outro no cigano, ou seja, arranjar propostas de valor que sejam dificilmente copiáveis, seja ao nível do serviço seja do atendimento”.
Afastado o cenário do “preço partido”, a competitividade será, sim, baseada na capacidade do comércio escutar e satisfazer as expectativas dos clientes. “Tem de haver uma mudança importante no modo de negociar, de expôr, de vender”, sublinha João Paulo Ferreira, director geral da Candy-Hoover. “Os consumidores serão cada vez menos e o poder de compra mais concentrado, pelo que todas as oportunidades de contacto com os clientes devem ser aproveitadas”. Os actores do comércio estão hoje convencidos que este será ainda mais orientado para o cliente e trabalhará os mercados de forma cirúrgica, adoptando uma postura cada vez mais orientada para o serviço.
De acordo com o director geral da Staples, a solução poderá passar por uma transformação no actual modelo de negócio, dos produtos para as experiências, procurando a diferenciação; uma maior personalização do espaço físico e a possibilidade de customizar a oferta de cada loja aos padrões de consumo locais. Prevê-se também uma alteração do “retail mix”, juntando, em combinações distintas das actuais, os eixos da conveniência, preço, gama, qualidade e modelos de distribuição. Outra tendência previsível é a ocupação de vários formatos pelos diferentes operadores e o “overlapping”, ou seja, criar diferentes posicionamentos sem perder os valores nucleares. “Talvez num futuro bem próximo, as grandes superfícies especializadas passem a grandes superfícies generalistas, alargando o leque de produtos e abrangendo uma gama ainda maior”, acrescenta Pompilio Vaccari, trabalhador liberal no Brasil.
O que a crise está então a acelerar é ao final de um ciclo para os agentes do comércio, do qual sairão as empresas que melhor souberam antecipar e adaptar-se à mudança. O estudo do PIPAME destaca que muitos dos líderes de ontem não estão a conseguir reinventar-se, conhecendo uma lenta erosão, seguida de um declínio acelerado. Os “players mais ágeis e segmentados tomarão a dianteira do negócio. “A situação actual do retalho e a sua relação com as divergências socio-económicas vividas pelos vários mercados faz-me lembrar um provérbio muito interessante que explica as várias reacções que diferentes produtos têm ao serem confrontados com água a ferver. O esparguete era forte e quando entra dentro de água quente amolece; o café, sem sabor, fica saboroso e cheiroso; e o ovo, que era tão frágil, fica rijo e não quebra. Assim são os diferentes tipos de empresas que, em contacto com as mesmas dificuldades, têm tipos de reacções diferentes. Umas melhoram, outras pioram e outras transformam-se completamente”, caracteriza Rui Neves, director geral da Targus Portugal. Perante isto, o retalho, tal como todas as empresas, tem de se reorganizar e de redesenhar o seu modelo de negócios. “É difícil? Sim, é sem dúvida. Mas se há quem consiga, então novas formas de gestão empresarial, de parcerias e de associativismo tornam-se emergentes. E uma das novas tendências é a ligação dos sectores do comércio online com o dos transportes. Muitas das grande insígnias estão a apostar estrategicamente neste modelo de negócio com custos mais baixos e maior optimização operacional”, destaca.
Tudo na vida tem ciclos e são esses ciclos que ditam as tendências, consoante as conjunturas sociais, económicas e financeiras. “Neste momento, pensamos que estamos uma vez mais na mudança de ciclo”, confessa Manuel Jorge, administrador da M.Jorge-Expert. “Talvez até o feitiço se esteja a virar contra o feiticeiro mas o segredo, se é que existe algum, é a capacidade de nos transformarmos e percebermos como agir nos vários ciclos”.
“Cuidado com o leão surdo”, alerta Manuel Jorge, aludindo a uma parábola que sublinha, precisamente, a imperiosa necessidade de se estar atento à mudança e de conhecer os clientes e que transcrevemos como conclusão deste artigo. “Era uma vez um caçador que recebeu de um feiticeiro uma flauta mágica que, ao ser tocada, enfeitiçaria os animais, fazendo-os dançar. Entusiasmado, o caçador organizou uma caçada e convidou dois amigos. Logo no primeiro dia, o grupo deparou-se com um feroz tigre. De imediato, o caçador pôs-se a tocar flauta e o tigre, que já estava próximo de um dos seus amigos, começou a dançar, sendo abatido à queima-roupa. Horas depois, foram atacados por um leopardo, que saltou de uma árvore. Ao som da flauta, contudo, o animal deixou de ser agressivo, tornou-se manso e dançou. Os caçadores não hesitaram e mataram-no com vários tiros. Ao final do dia, o grupo encontrou pela frente um leão faminto. A flauta soou, mas o leão não dançou e, pelo contrário, atacou um dos caçadores e em seguida o outro. O tocador de flauta, desesperado, fazia soar as notas musicais, mas sem resultado, o leão não dançava. E, enquanto tocava, foi devorado. Isto aconteceu porque não percebeu que o leão era surdo e não ouvia o som mágico da flauta”.