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“Os portugueses só têm uma coisa a ganhar com o fim da globalização, que é empobrecerem”
2020-05-22

“É um risco uma marca ficar associada a um centro de contágio, mas não temos alternativa a ir abrindo. A economia portuguesa não foi mais ao fundo porque a indústria fez um esforço enorme para não parar. Era bom que o país soubesse que há empresas com milhares, centenas e dezenas de pessoas que não fecharam completamente, que conseguiram aguentar e com contágios residuais, se é que os houve. Algo terão feito bem”.

A nota foi deixada por Paulo Portas, numa conversa com Nuno Fernandes Thomaz, presidente da Centromarca, no âmbito do webinar “Ecossistema das marcas: e depois do Covid-19?”, organizado por esta associação em parceria com a Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa.

Subordinada ao tema da geoestratégia, a conversa abordou, sobretudo, os desafios na resposta a uma pandemia que, sendo simétrica em termos de não discriminar os grupos que atingiu, é assimétrica do ponto de vista regional e das suas consequências económicas. “E no princípio do caminho para retomar uma certa normalidade, que não será igual à anterior”, alertou Paulo Portas.

Saída da pandemia do Covid-19

Como nota dominante de toda a conversa esteve a noção de que o plano de saída da crise causada pela pandemia de Covid-19 não será, ao contrário do da crise anterior, financeiro, mas sim económico.

“O centro aqui são as empresas”, disse Paulo Portas. “Em 2012, o país tinha ido à falência. O que houve foi uma crise das dívidas soberanas na Europa e uma enorme crise do sector financeiro. O que há agora é uma crise brutal do ponto de vista económico. Logo, o primeiro instinto de saída seria a construção de um programa de competitividade de Portugal adaptado ao pós-Covid. Toda a gente sai ‘aleijada’ disto, como tal, todos quererão ser agressivos, ter medidas que estimulem o investimento, as oportunidades de industrialização e a retoma das exportações”.

Oportunidades

No entender de Paulo Portas, há um mundo de oportunidades que se vai abrir, pelo mundo de necessidades que se detetou. “A pior coisa que nos pode acontecer é sairmos disto sem aprender nada. Há uma oportunidade de criação de negócio, vai haver uma tendência de aproveitar nichos de reindustrialização, há muitas empresas que nascerão em sectores de negócio novos”, defendeu.

E se a crise de 2012 foi, porventura, o início do auge dos populismos na Europa, a esperança é que esta seja o início do seu declínio no mundo ocidental. “Não se pode gerir uma crise de saúde pública com esta dimensão com base na ignorância, no capricho, no instinto ou no tweet. Tem de se aliar Governo, ciência, capital, representação social e ouvir o conhecimento. Não é possível governar contra o conhecimento. O populismo é sempre uma simplificação. Esta crise da Covid-19 não tem nada a ver com simplificações. É uma crise complexa. Gerir uma crise complexa implica estudar, ouvir, ter paciência, ter dúvidas, retificar, às vezes errar, ser humilde e mobilizar uma sociedade para uma saída melhor”.

Assimetrias

Uma evolução onde as marcas terão, no entender de Nuno Fernandes Thomaz, uma importância enorme, “não só na forma como inovam e vão continuar a ser um ‘driver’ de inovação, mas também na forma como vão comunicar, porque é preciso termos esperança mesmo nos momentos mais difíceis”.

E uma saída onde muitos dos princípios onde, até aqui, assentava o crescimento económico terão de ser revistos e reequacionados, tendo sempre subjacente que a gestão de toda esta crise será feita, em muito boa parte, sobre terreno desconhecido.

“Um dos fatores que desconhecemos, por exemplo, é a influência que a temperatura tem na sobrevivência do vírus, porque os resultados dos estudos são contraditórios”, exemplificou Paulo Portas. “Em termos económicos, também não sabemos muito sobre réplicas e segundas vagas. Para os decisores políticos, quaisquer que eles sejam, e para os decisores económicos, estes fatores de incerteza não facilitam o planeamento”.

Vantagem de mês e meio

Se, do ponto de vista da saúde pública, a Ásia leva um mês e meio de avanço sobre a Europa e esta, por sua vez, leva um mês de avanço sobre as Américas, do ponto de vista económico e da sua recuperação, não a situação poderá não ser bem assim.

“A reação económica do mundo anglo-saxónico é tradicionalmente mais rápida, pragmática, sem grande desperdício de tempo em discussões ideológicas. A ideologia vale de muito pouco numa pandemia e a ignorância pode fazer muito mal à saúde e à economia”, sustentou. “A meio de maio, na Europa, os planos de ajuda às empresas ainda não estão completamente regulamentados, só o estarão no final do mês, e o plano de recuperação das economias está remetido para junho e causa grandes divisões”.

Paulo Portas

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Ásia a recuperar primeiro

Nesse sentido, avançou Paulo Portas, a Ásia tenderá, como diz, aliás, o FMI, a recuperar primeiro, mas a economia americana poderá, até, recuperar mais cedo que a europeia, apesar do vírus lhe ter chegado um mês depois.

“Como é tradição, a economia americana, quando sofre um choque, cai muito. Mas não se esqueçam que, na América, o desemprego é medido à semana, logo, cai muito, mas sobe muito depressa. Ainda agora estamos, na Europa, a curar as feridas da crise financeira, quando os americanos, a partir de 2012, tinham a sua economia a funcionar novamente bastante bem. Desse ponto de vista, o facto de a Europa ter demorado tanto tempo a reagir em termos económicos, primeiro, tira-lhe alguma autoridade para criticar terceiros. Acima de tudo, dando-se o caso da China e da Ásia, em geral recuperarem primeiro e da flexibilidade e criatividade da economia americana permitirem-lhe levantar-se mais depressa de um tombo maior, representa um desafio para os europeus, porque não só são apanhados no meio de uma pandemia que institucionaliza o papel dos Estados Unidos e da China como as duas potências liderantes, deixando-os a perguntar-se qual é o seu lugar e o seu papel, como do próprio ponto de vista económico, se não fizerem chegar diretamente dinheiro à economia. A pandemia, do ponto de vista da recuperação económica, também é assimétrica”.

“Três triliões”

Os “três triliões” que foram aprovados pelo Governo norte-americano, como medida orçamental, fora as medidas monetárias que foram tomadas pela Reserva Federal, vão fazer, de acordo com Nuno Fernandes Thomaz, com que nos Estados Unidos haja uma recuperação claramente em V, enquanto na Europa foram falar de quase cinco meses para aparecer uma resposta. “Mesmo dentro da Europa, existem algumas assimetrias, porque os diferentes Estados-membro estão a aparecer com diferentes pacotes de medidas, sobretudo no que há dimensão desses pacotes diz respeito”, destacou o presidente da Centromarca.

“Quase metade das ajudas de Estado aceites e elegíveis são alemãs. Não tenho dúvida nenhuma que a Alemanha vai salvar as suas marcas e não vai perder muito tempo com caracterizações ideológicas sobre os tipos de intervenção. Em situações excecionais, e ainda por cima excecionais e desconhecidas, nenhum dos critérios do catálogo ideológico tradicional é suficiente e eficiente”, reforçou Paulo Portas.

Recuperação

“Disto isso, o que mais me preocupa é que, no saldo desta crise, se não se pensar apenas no dia de amanhã de manhã, mas nos efeitos das políticas a prazo, há uma distinção a fazer. Estar a fazer projeções para 2021 é entrar no domínio da adivinhação. Não sabemos, sequer, se no desconfinamento parcial vamos enfrentar réplicas da primeira vaga”, acrescentou.

Não obstante, existem já algumas projeções que, com as devidas ressalvas, dão alguns sinais de como se processará a recuperação económica. “Nas projeções que fez, o FMI mostra que a China sairá mais forte desta crise, tendo responsabilidades, até reputacionais, no início da mesma”, lembrou Paulo Portas.

China a crescer 9%

“Será a única economia mundial com crescimento positivo este ano. O que mais me impressionou é que, com o poder de fogo do capitalismo e o poder de fogo do estatismo, tudo junto, a China prepara-se para crescer, no próximo ano, 9%. O que é voltar quase uma década atrás face ao ‘phase down’ que estava a fazer até aos 6%. Os americanos também recuperarão, em princípio, com algum significado. Este é que é o desafio que se coloca aos europeus. Como conseguimos compensar, num tempo razoavelmente curto, perdas que são brutais”.

Para Paulo Portas, nenhuma letra do abecedário, das que têm sido usadas para exemplificar a saída da crise, é adequada a uma crise inteiramente nova. “As pandemias são antigas, mas as pandemias à velocidade da globalização e da digitalização é que são novas”.

Globalização e digitalização

Quando muito se questiona sobre o que será da globalização, “que tem limites, defeitos e riscos”, Paulo Portas recorda que este mesmo fenómeno é responsável pelo mundo ter menos 900 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema. “Não há memória na história político-económica dos continentes de uma transformação, em termos de oportunidades, tão extraordinária como a que a globalização trouxe. Aliás, quem percebeu melhor isso foi a Ásia. Foi o continente que surfou melhor a globalização. Os continentes que mais beneficiaram liquidamente da globalização são aqueles que tinham mais pobreza extrema”.

Já a digitalização é “prima” da globalização. “São criaturas da mesma extirpe, que se desenvolveram paralelamente nos últimos 50 anos. A digitalização vai acelerar imenso como o próprio mundo, durante a pandemia, nos revelou. Uma parte da economia que sobreviveu é a economia digital: teletrabalho, delivery, entregas. Mais uma vez, a Ásia leva avanço”.

Paulo Portas

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E Portugal?

O caso de Portugal é, de acordo com Paulo Portas, interessante. Segundo os números da SIBS, nestas semanas da pandemia, o e-commerce subiu cinco ou seis pontos. “Uma parte disso vai ficar. Estas crises obrigam-nos a dar um passo para a frente, mesmo não sabendo o que está à nossa frente. Será um grande atrevimento dizer que a digitalização vai retroceder. Avançou e vai avançar ainda mais”.

Já a globalização é diferente, porque está muito dependente dos tratados de comércio. Na sua opinião, está mais ou menos suspensa, mas é temporário. “Há um período de suspensão dos factos da globalização, mas o mundo, para voltar a crescer, vai precisar do comércio. Quem olhe para os últimos 40 anos vê que há dois grandes motores do crescimento acelerado da economia mundial: o comércio e o investimento. Quando sair disto, o mundo vai todo ele querer voltar a comprar e a vender. Para um país que está a fazer um processo de modernização do seu sector exportador, como aconteceu com Portugal na última década, que já tem quase 44% de exportações no PIB, mas que sabe que tem de fazer um caminho ainda mais acelerado, é absolutamente essencial que as fronteiras se reabram e que o comércio renasça. Os portugueses só têm uma coisa a ganhar com o fim da globalização, que é empobrecerem”.

Motores de crescimento

Não obstante, não se voltará a olhar estrategicamente para a globalização de uma forma tão desregulada como até aqui. A Europa, assim como os Estados Unidos, foram apanhados no meio desta crise sem um mínimo de reservas estratégicas. Alicerçada no sector privado, mas com o impulso de programas públicos, a Europa vai ter uma oportunidade de reindustrialização em certos sectores.

Até porque não será prudente a Portugal depender tanto do turismo como motor de crescimento económico, pelo menos no curto prazo. “As pessoas só voltarão a comportamentos e consumos ligados à ideia de multidão quando tivermos um tratamento ou uma vacina, para abater o medo. Todos estes programas de ajuda ao sector do turismo nacionais e europeus parecem ter uma espécie de duração de três meses, mas deveriam ser estendidos, porque a recuperação não vai ser simétrica. As grandes cadeias de reservas não funcionam com uma semana de antecedência, mas com um ano. Por outro lado, não há nenhuma vontade dentro da União Europeia de abrir rapidamente as fronteiras internas. O turismo e tudo o que está à volta dele é dos primeiros sectores a ser impactado e dos últimos a poder recuperar em sentido pleno”, avisou Paulo Portas.

Turismo dentro de portas

Portugal tem cerca de 61% de turismo estrangeiro e 39% de turismo nacional, pelo que vai ter que fazer “o possível e o impossível” para levar os portugueses, em condições de alguma segurança, a fazerem turismo nacional, em 2020, na certeza de que todos os países vão tentar fazer o mesmo. “Iremos, certamente, para melhor quando – e é muito provável que assim seja – no outono haja, não a vacina, mas um tratamento. Isso ajudará a vencer uma parte do medo”, concluiu.

* Com a cortesia da Grande Consumo

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L.Branca/PAE

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