Unilateral, desfasado da realidade da distribuição em Portugal, omisso em algumas situações e praticamente impossível de cumprir. Fornecedores, distribuidores, retalhistas e postos de assistência técnica são unânimes na caracterização do novo regime de garantias dos bens de consumo. Consideram-no injusto, benéfico apenas para o consumidor, desresponsabilizando, podendo gerar situações insustentáveis que, em última análise, colocam em perigo muitos postos de trabalho nos serviços de assistência técnica (SAT). “É a falência”, confessa Carlos Alberto, técnico e sócio-gerente da Pombalgás. “É impensável dois anos de garantia às peças aplicadas. É o mesmo que dizer dois anos de garantia às reparações”. Também Alexandre Cunha, gerente da Susiarte, considera que a lei não protege os postos de trabalho dos SAT. Mas, em última análise, também acaba por ser prejudicial para o consumidor, na medida em que também não protege os preços. “Acredito que muitos pontos desta nova lei são necessários, mas haverá de certeza alguns consumidores a tentar aproveitar-se das falhas que tem, sobretudo quando o produto estiver a acabar o período de garantia ou a exigir a troca do produto, quer tenham ou não razões para tal. Ora, se as marcas optarem pela troca, os SAT não terão trabalho e os custos de garantia aumentam. Se estes aumentarem, o preço aos clientes finais será maior ou então as marcas terão que “espremer” ainda mais a margem, o que, a longo prazo, não vejo como viável”.
Publicado no passado mês de Maio, a lei da discórdia, o Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas. Foi estabelecido por aquele decreto-lei um conjunto de regras que disciplinam o regime de garantias, legais e voluntárias, mas, cinco anos depois, entendeu o legislador que era necessário introduzir novas regras, “que permitam ajustar o regime à realidade do mercado e colmatar as deficiências que a aplicação daquele diploma revelou”.
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A revismarket abordou este assunto polémico e inquiriu o mercado sobre esta situação. Recolhemos os mais variados testemunhos de produção e distribuição, mas qual a opinião jurídica sobre este assunto?
A garantia legal transmite-se ao adquirente do bem em “segunda-mão”?
O que pode o comerciante vendedor exigir do adquirente do bem?
Quando e em que termos se suspende o prazo da garantia legal?
Qual o prazo máximo previsto para a substituição/reparação do bem?
O que pode o comerciante vendedor exigir do fabricante do bem?
O DL 84/2008 vem estipular, por outro lado, que o comerciante vendedor dispõe do prazo máximo de 30 dias para promover a reparação ou substituição do bem. Esta obrigação não constava do regime original (que estabelecia um critério mais “aberto” através do conceito de “prazo razoável”) e representa uma alteração com consequências práticas importantes.
O não cumprimento do prazo máximo de 30 dias para efectivar a reparação ou substituição do bem previstas poderá de facto suscitar, com maior acuidade, a questão da compensação adequada do adquirente, na medida em que este consiga razoavelmente demonstrar que a privação do bem (ou seja, a demora na sua retoma ou substituição) lhe determinou prejuízos indemnizáveis.«box»
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Além de uma reformulação e reorganização sistemática de algumas disposições do regime já vigente, o novo diploma legal veio, ao instituir um regimento sancionatório, acentuar a protecção geral conferida à posição do consumidor, punindo a falta de reparação ou substituição do bem no prazo máximo de 30 dias, com coima de 500 a 5.000 euros, caso o infractor seja uma pessoa colectiva. Ainda mais pesada é a coima prevista para estes últimos, no que concerne ao incumprimento das menções obrigatórias em língua portuguesa – de 3.500 a 30.000 euros. Prevê-se também um conjunto de sanções acessórias quando a gravidade da infracção o justifique, desde a privação do direito a subsídio até à interdição do exercício da actividade ou encerramento temporário do estabelecimento.
Leia, na edição impressa da Rm-Revismarket, o artigo de Armando Martins Ferreira e Rui Rompante da Abreu Advogados que vem esclarecer muitas dúvidas que tem vindo a suscitar a nova lei chamada, na gíria, a Lei da Discórdia.