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Publicidade destinada a crianças e menores
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O efeito que a publicidade exerce sobre as crianças tem vindo a ser, cada vez mais, objecto de preocupação, tanto por parte dos estudiosos, como da opinião pública em geral.

O universo infantil vê-se muitas vezes invadido por certo tipo de publicidade que, ao não ser tão equilibrada quanto seria desejável, conduz à criação de expectativas, de modelos comportamentais e normas de conduta desapropriadas e com resultados potencialmente perigosos.

A influência que a publicidade exerce sobre as crianças e jovens adolescentes é de tal forma notória, que estas acabam por ser transformadas no próprio veículo da publicidade junto dos seus pais, familiares e amigos, constituindo por essa mesma razão o alvo preferencial da publicidade.

Neste sentido, há quem considere que este tipo de publicidade consubstancia uma manipulação inteligente, mas pouco ética, de uma criança que ainda não possui o discernimento necessário para escolher entre o que deve ou não comer, entre o que quer ou não possuir, entre o que é saudável ou prejudicial à saúde, entre o que é perigoso e o que é divertido. Associados a estas preocupações, surgem os problemas relacionados com excesso de peso e obesidade infantis, que hoje já são bastante significativos em Portugal, sendo um dos países da União Europeia onde se verificam as maiores taxas ao nível deste distúrbio alimentar.

As críticas que têm vindo a ser tecidas à publicidade passam por alegar que a publicidade é o reflexo de uma suposta “felicidade” proposta pela sociedade de consumo, na medida em que desenha uma imagem de sonho e bem-estar. Associado à compra do produto, explora sentimentos de complexo ou medo de não integração no "grupo" e, por vezes, chega a ignorar ou negligenciar princípios de segurança na utilização dos produtos e incita ao consumo de alimentos que nem sempre são os mais saudáveis.

Pelo exposto, importa assim tentar descortinar o papel que a publicidade assume actualmente na formação das crianças, os limites ao envolvimento dos menores como intervenientes principais ou como destinatários das mensagens publicitárias nos diversos meios de comunicação e, principalmente, aferir como reage o nosso sistema legal face à publicidade dirigida a crianças e menores.

Desta forma, podemos desde logo considerar que o principal problema da publicidade destinada a crianças e menores reside no facto de estas ainda não possuírem o necessário discernimento e poder decisório para compreender a globalidade da mensagem publicitária e sobretudo a intenção persuasora contida na mesma.

A verdade é que as crianças têm vindo a assumir um papel cada vez mais importante no mercado de consumo, não só pelo seu poder de decisão sobre a compra de artigos infantis, como pelo poder de influência sobre os produtos consumidos pela família, razão pela qual se opta cada vez mais pela sua utilização na publicidade.

Não restam dúvidas que, actualmente, a função da publicidade deixa cada vez mais de se cingir à informação relativa às características dos produtos, para se revelar manifestamente persuasora, procurando agir sobre as tendências essenciais dos consumidores e provocar nestes um desejo de adquirir o produto.

Pelas razões anteriormente expostas, é de extrema importância ponderar e redefinir o papel que a publicidade assume perante as crianças e menores, procurando tentar fazer prevalecer a função socializadora e didáctica da mesma. Uma das possíveis soluções passaria eventualmente pelo desenvolvimento do sentido crítico das crianças, por forma a reforçar a sua capacidade de análise e compreensão da linguagem publicitária.

Conforme refere o Código de Boas Práticas na Comunicação Comercial para Menores, “a publicidade tem um papel a desempenhar no processo de desenvolvimento dos menores, apetrechando-os com os conhecimentos e aptidões necessárias, para mais tarde poderem agir como consumidores informados e responsáveis”.

No que concerne à reacção do sistema legal face à publicidade dirigida a crianças e menores, é de realçar o impacto que, nesta matéria, tem tido o direito comunitário, na construção de um sistema de protecção de menores (Directiva 89/552/CEE, alterada pela Directiva 97/36/CE e pela Directiva 2007/65/CE, intitulada de Directiva “Serviços de Comunicação Social Audiovisual”).

Em Portugal, o legislador não ficou alheio à necessidade de proteger as crianças e os menores, não só como destinatários das mensagens publicitárias, mas também como intervenientes das mesmas. O regime legal da Publicidade dirigida a menores, encontra-se actualmente previsto no Código da Publicidade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro, o qual estipula, no número 1 do artigo 14.º, que “a publicidade especialmente dirigida a menores deve ter sempre em conta a vulnerabilidade psicológica dos mesmos e deve abster-se de (i) incitar directamente os menores, explorando a sua inexperiência e credulidade, a adquirir determinados bens ou serviços, (ii) incitar directamente os menores a persuadirem os seus pais ou terceiros a comprarem os produtos ou serviços em questão, (iii) conter elementos susceptíveis de fazerem perigar a sua integridade física ou moral, bem como a sua saúde ou segurança, nomeadamente através de cenas de pornografia ou do incitamento à violência e (iv) explorar a confiança especial que os menores depositam nos seus pais, tutores ou professores”. Por outro lado, dispõe o número 2 do artigo 14.º do Código da Publicidade que “os menores só podem ser intervenientes principais nas mensagens publicitárias em que se verifique existir uma relação directa entre eles e o produto ou serviço veiculado”.

Este dispositivo legal, encara portanto o menor em duas perspectivas diversas: enquanto destinatário (n.º 1 do artigo14.º) e enquanto interveniente principal da mensagem publicitária (n.º 2 do artigo 14.º). Assim sendo, podemos concluir que o disposto no artigo14.º permite a publicidade destinada a menores, desde que não explore a sua vulnerabilidade psicológica, credulidade e inexperiência.

Da mesma forma, de acordo com a interpretação “a contrario” do número 2 do supra referenciado artigo 14.º, não é permitida a utilização do menor como interveniente principal da mensagem publicitária quando não existir a tal relação directa entre o produto ou serviço que é anunciado e o menor, ou seja quando os mesmos produtos ou serviços não devam, pelas suas qualidades, natureza ou utilização, fazer parte do seu “universo”.

A lei, tendo em conta o n.º1 e 2 do artigo 14,º, tenta consagrar um “meio caminho”, já que permite a “convivência” entre a publicidade e o menor, ao mesmo tempo que procura salvaguardar a sua vulnerabilidade psicológica e inexperiência face à publicidade de que é destinatário, definindo ainda quando é que o mesmo menor pode ser interveniente principal da mensagem. De facto e de direito, vigora o princípio constitucionalmente consagrado da protecção do menor (e da sua imagem), o qual legitima a adopção por parte do legislador de medidas destinadas a proteger especialmente esta faixa etária da “agressividade própria de algumas práticas publicitárias”.

Convém ainda ter presente que a infracção da norma supra referida constitui contra-ordenação punível com coimas de valor considerado e que são considerados agentes da contra-ordenação, o anunciante, o profissional, a agência de publicidade, o titular do suporte publicitário ou qualquer outro interveniente na emissão da mensagem publicitária (artigo 36.º do Código da Publicidade).

Deste modo, parece legítimo impor a todos os intervenientes na actividade publicitária – anunciantes, publicitários e meios – uma maior responsabilização no que respeita ao cumprimento das disposições do Código da Publicidade, em especial o artigo 14.º, bem como solicitar aos educadores uma maior participação no debate sobre aos efeitos que a publicidade pode ter nos menores. Há que actuar criteriosamente no plano do desenvolvimento cultural, sem esquecer o desenvolvimento moral e físico dos menores. As políticas meramente restritivas da publicidade, afiguram-se como redutoras relativamente a um problema e um desafio que se coloca à escala global e cuja solução passará necessariamente pela educação, informação e sensibilização dos menores para os excessos do consumo.

Elisa Pereira e João Veiga Gomes

Abreu Advogados

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