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A actual situação financeira que se vive, não só em Portugal mas um pouco por toda a Europa, está a reflectir-se inexoravelmente nos hábitos de consumo. Desde 2008 que parece ter-se entrado numa nova era pautada pela retracção. Os dados da GfK Portugal, referentes ao segundo trimestre deste ano, confirmam esta tendência, indicando uma queda de 12,8 por cento no índice TEMAX. A facturação do mercado nacional de bens tecnológicos no segundo trimestre foi de 530 milhões de euros, quase 20 por cento abaixo do valor do mesmo trimestre de 2008. Face à evolução do clima económico, com a perda do poder de compra e a instabilidade do emprego, aliada a uma cidadania cada vez mais participante, catalisada pelas redes sociais, o actual modelo de negócio das grandes superfícies especializadas vê-se questionado e estes espaços instados a se reorganizarem e adaptarem aos novos padrões de consumo e à evolução da sociedade.

Os consumidores portugueses são dos mais pessimistas na Europa e compram apenas os artigos necessários para o dia-a-dia, adiando, sempre que possível, aquisições de maior monta. A sondagem “Consumer Climate”, realizada pela GfK, indica que a disposição para comprar em Portugal flutuou apenas ligeiramente nos últimos meses e encontra-se actualmente nos 49,6 pontos negativos. “Margens diminuídas, tráfego de clientes e facturação cada vez menores, competitividade cada vez maior, o consumidor com medo do futuro, com maior atenção e racionalização das suas compras. Por outro lado, cada vez mais rigoroso e esclarecido, menos tolerante e exigente de maior especialização e rapidez de resposta. É este o cenário com o qual as grandes superfícies especializadas lidam diariamente”, analisa Carlos Maia, director geral da Staples em Portugal. (...)

Com o desemprego a crescer, a emigração a aumentar, a imigração a baixar e o rendimento das famílias em forte quebra por acção do aumento dos impostos, a consequência natural é uma redução do chamado “mercado natural”. “Se este encolhe, o expectável é que cada entidade venda menos para acomodar este novo mercado mais exíguo, sendo necessário efectuar ajustes na estrutura que estava preparada para volumes bastantes superiores”, acrescenta Paulo Lourosa, director de Consumer Credit – Auto and Sales Finance; Credit Cards na Pastor Serfin.

Na opinião deste profissional, algumas empresas não irão aguentar a pressão da quebra das vendas. “Quem conseguir aguentar os próximos 18 meses poderá aproveitar-se de vendas efectuadas pelos retalhistas que vão fechando portas”. A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) antecipa mesmo um completo desastre no comércio já a partir de Dezembro, que atingirá, sobretudo, os electrodomésticos e o mobiliário. “Estamos à espera de uma hecatombe, que vai começar em breve devido ao corte parcial do próximo subsídio de Natal, que era tradicionalmente usado para a aquisição ou pagamento da primeira prestação desses bens de maior valor”, afirma João Vieira Lopes, presidente da confederação. (...)

O futuro das grandes superfícies especializadas depende assim de uma necessária reestruturação dos operadores. A percepção é de que alguns retalhistas até poderão resistir mais do que outros, mas não irão aguentar uma nova vaga de retalho. No entender destes profissionais, a grande realidade é que os novos formatos de vendas irão progressivamente tomar conta do mercado e as grandes superfícies tenderão a reduzir a sua exposição ou a fechar, como aconteceu, por exemplo, com a Singer. “Diria que os formatos das cadeias especializadas, que iniciaram a sepultura do comércio tradicional, vão também terminar liquidados por formatos sem lojas e outros que entretanto surgirão”, analisa António Costa, antigo profissional do sector. (...)

O grande desafio que estes espaços agora enfrentam passa então por ir mais além na sua oferta, transformando o seu modelo de negócio. “Num mercado tão competitivo como o retalho, só se consegue conquistar e manter a confiança dos clientes com uma atitude de constante inovação, de contínua vontade de fazer melhor e de encontrar melhores parceiros, sempre focado nas suas necessidades”, sublinha Miguel Osório, administrador de Marketing da Sonae MC. A inovação, a diferenciação, o acrescentar valor, através de formas diferenciadoras, são então a única saída. (...)

Uma década de transformação profunda

Segundo o estudo “O futuro do comércio visto pelos seus actores”, realizado pelo CREDOC junto de vários profissionais da distribuição francesa, os próximos dez anos serão marcados por grandes acelerações e transformações do sector.(....)

O comércio electrónico, as tecnologias e a abordagem multicanal serão o principal foco de mudança no entender destes profissionais. 63 por cento antecipam um grande desenvolvimento deste eixo e estimam que o peso do comércio electrónico possa chegar aos 24 por cento em 2020. A presença das insígnias neste canal torna-se assim imperativa, intensificando-se pelas estratégias multicanal, que permitem, por um lado, estar presente na Internet, recuperando os negócios perdidos na loja, e por outro uma adaptação às novas necessidades dos consumidores. (...)

Responder às expectativas de consumidores cada vez mais exigentes

Mas o estudo do CREDOC aponta outros factores onde as transformações também ditarão o futuro do comércio, nomeadamente a área dos serviços, a personalização da relação entre o retalhista e o consumidor e o aconselhamento e oferta de soluções (37%). O preço parece ser mesmo o factor menos valorizado. (...)

“Independentemente de que sector da economia estejamos a falar, não é sustentável manter a loucura desenfreada, na palavra e acção, do consumismo”, concorda João Medeiros, director geral da BestSell. “Pelo contrário, a nova ‘filosofia’ será a sustentabilidade. Para quem vive, como nós, dos sectores comerciais, é uma dura realidade, de difícil digestão, mas que não podemos ignorar. Diria que, em termos de análise dos canais de distribuição, se a situação não é favorável para o ‘tradicional’, a grande distribuição que se cuide. (...)

Crescer ajustando a dimensão

Parece assim desenhar-se uma ruptura entre o que foi o modelo de negócio da última década e o seu futuro. O inquérito do CREDOC assinala que 69 por cento dos profissionais antecipam um reforço, nos próximos dez anos, do comércio de proximidade. “Na situação actual de mercado e, mais importante, na conjuntura menos favorável dos próximos anos, as estruturas em todas as suas vertentes terão claramente de se redimensionar e repensar, muito certamente para formatos de menor dimensão, de maior influência local, mas obviamente com marcas de projecção nacional, cadeias de custos competitivas e flexíveis, capazes de se diferenciar da concorrência por algo mais que o preço”, defende Hugo Silva, director geral da Whirlpool. “O consumo em Portugal está hoje, e infelizmente espera-se que se venha a manter, em níveis de há mais de uma década, pelo que não se pode fazer o mesmo que nos últimos anos, em que crescimentos sustentaram crescimentos” (...)

Não se quer com isto dizer que as grandes superfícies irão, pura e simplesmente, “morrer. De acordo com o estudo “O comércio do futuro”, realizado pelo PIPAME, acreditar no prognóstico do declínio dos grandes espaços e retorno ao pequeno comércio é uma “simplificação abusiva. O que está em perigo é o modelo de negócio das grandes superfícies que não são portadoras de mais valias. O estudo defende que os espaços que saibam gerar valor continuarão a ser formatos dinâmicos, adaptados aos novos modos de consumo. A erosão dar-se-a nos formatos centrados exclusivamente no eixo preço/oferta/dimensão, que até foram o motor da modernização da distribuição, mas que estão em fim de ciclo. O PIPAME defende ainda que os pequenos comerciantes isolados que não adoptarem práticas modernas de gestão e marketing vão continuar a desaparecer ao mesmo ritmo do que até aqui.(...)

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